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uma manhã a caçar as melhores trufas do mundo

Confesso que acho que estava mais ansioso naquela manhã do que na manhã do meu casamento. Sonhei com trufas e cães, acordei cedo demais e mal comi ao pequeno-almoço para não comprometer o meu olfacto.

Quando cheguei à recepção do hotel percebi que afinal podia ter comido à vontade porque não precisaria de andar de gatas à volta das árvores a farejar as trufas... À nossa espera, estava a Francesca e a Coco. Francesca é uma jovem simpática e conversadora que passa os seus dias a procurar trufas brancas nos bosques e a vendê-las em Alba, Itália. Coco é uma cadela maravilhosa que ladra de cada vez que cheira uma trufa debaixo da terra. Se a trufa for preta, recebe de recompensa um biscoito para cães. Se a trufa for branca, recebe quatro invejáveis e suculentos pedaços de presunto.

Foram elas as duas que nos levaram pelos bosques do Piemonte à procura das melhores trufas do mundo: as trufas brancas de Alba.

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O bosque cheio de trufas 

O hotel onde ficámos, o Casa di Langa, em Alba, tem um bosque privado, vedado e carregado de trufas brancas, exclusivo para alguns poucos caçadores de trufas poderem procurá-las com os hóspedes, para fornecer o restaurante do hotel ou para venderem. É quase uma mina de ouro gastronómica. Por isso, foi com o optimismo do António Costa cada vez que fala da situação económica do País que eu cheguei à nossa caçada, convicto de que iria apanhar um contentor de trufas e ainda mais convicto de que os nossos guias nos deixariam trazer algumas delas de volta para Portugal. Até que...

...a Francesca se apresentou. 

– Como nevou muito nos últimos dias, não vai ser fácil descobrirmos trufas.

Choque!

– A neve está quase até ao joelho e, por baixo dela, ainda teremos de cavar, para descobrir as trufas.

Pânico!

– Por vezes, com tanta neve, os cães não conseguem farejar a trufa.

Estado de perfeita apoplexia!

De um lado, a Francesca equipada com umas confortáveis botas de borracha e umas impermeáveis calças de ski; do outro a minha querida Mulher Mistério com as suas calças de ganga e as suas botas estilo Golegã. No meio, eu aterrorizado com a perspectiva de não encontrar trufas e de acabar a minha manhã tão ensopado como uma bolacha Maria num copo de leite.

No entanto, arriscámos e partimos confiantes em busca da trufa.

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Como nascem as trufas 

Apesar de toda a gente lhe chamar "caça à trufa", a trufa não é um animal que foge pelos bosques. É um fungo rarírissimo e difícil de encontrar que cresce debaixo da terra, perto das raízes de algumas árvores às quais está ligado por filamentos microscópios que o alimentam de nutrientes sintetizados pelas folhas das árvores. Já as árvores adquirem minerais do solo através dos filamentos das trufas.

Esta relação dependente e intrincada entre a trufa e a árvore torna-as raríssimas, difícies de encontrar e com um cheiro único que mistura terra e avelã. Só alguns animais têm o olfacto suficientemente apurado para detectarem uma trufa enterrada junto das raízes. É o caso dos cães, como a Coco, e é também o caso dos porcos que, durante anos, foram usados pelos caçadores de trufas para as encontrarem. O problema é que, além de as detectarem, os porcos encarregavam-se de as comer e de comer também parte das raízes à volta, o que destruía as condições para nascerem novas trufas.

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O treino dos cães 

Hoje a caça à trufa com porcos é proibida em Itália, estando reservada aos cães, especialmente aos Lagotto Romagnolo como a Coco. São cães simpáticos, com um delicioso pelo encaracolado e que andam sem qualquer problema pela neve. Quando encontram uma trufa, deitam-se no local à espera do dono, só depois cavam e param antes de chegarem lá.

É aí que entra Francesca. Ela cheira a cova para confirmar que há uma trufa lá em baixo, depois cava mais um pouco, cuidadosamente e com a ajuda de uma pá muito pequena, de forma a que a pá nunca toque no fungo, o que o poderia danificar. Quando percebe que a trufa está próxima, Francesca larga a pá e acaba de cavar com as mãos, sempre com todo o cuidado para não lascar a trufa. Mal a tira e percebe se é preta ou branca, dá-a a cheirar a Coco e depois entrega-lhe a recompensa: um biscoito pela trufa preta, quatro pedaços de presunto pela branca.

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O mais extraordinário destes cães é que não nascem com o olfacto a sonhar com trufas. São treinados desde os primeiros dias de vida. Primeiro as tetas das mães são levemente esfregadas com trufa para eles se habituarem ao cheiro. Quando começam a comer, os donos dão-lhes pequeníssimos pedaços de trufa com a comida. Finalmente passam a esconder trufas dentro de embalagens e a deixá-las no campo – primeiro simplesmente tapadas por folhas, depois enterradas cada vez mais fundo. Cada vez que os cães as encontram, ganham uma recompensa consoante o tipo de trufa.

Foi assim que Coco se habituou a procurar trufas por todo o lado.

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Onde encontrar as trufas 

Nós demos um passeio de quase duas horas à procura das nossas trufas. Ao fim de cinco minutos já tinha as minhas calças totalmente encharcadas até à cintura. Enquanto Francesca e Coco andavam calmamente pelos 50 centímetros de neve virgem e bem mole, nós enterrávamos cada perna a cada passo. Ao fim de meia hora de enterros consecutivos, chegámos finalmente a um bosque de aveleiras com bastante menos neve. É junto a estas árvores que se costumam encontrar as melhores e mais aromáticas trufas brancas.

Mas, segundo Francesca, é possível encontrá-las em qualquer sítio em Alba. Às vezes, nos locais mais inesperados:

– A maior trufa que encontrei este ano tinha quase 50 gramas. Fui passear com a Coco pela estrada. A certa altura, ela pára na berma, ao lado de uns arbustos, e começa a cavar. Fui ver e estava lá a trufa. Mesmo ali, à beira da estrada. Qualquer pessoa podia ter parado o carro e encontrado aquela preciosidade por acaso.

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A nossa primeira trufa caçada 

Na Casa di Langa, não há estradas, mas há o tal bosque carregado de avelãs e onde Coco começou a correr às voltas enquanto farejava o chão. A certa altura, acelerou e despareceu no meio de um arbusto. Francesca entusiasmou-se, eu babei. Mas afinal era só um coelho. Passados dez minutos, a cadela começou a escavar e parou. Primeiro sentada, depois deitada. Francesca foi ter com ela. Deitou-se no chão e cheirou a cova. Chamou-nos enquanto tirava a sua mini-pá de dentro do bolso. Ao cheirar, confesso que não senti nada, mas ela garantiu que estava ali uma trufa. 

Cavou mais um pouco, com cuidado, e disse: 

– Está aqui!

Debaixo da terra, estava uma pequeníssima mancha mais clara.

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Com o dedo fez um buraco à volta e perguntou-me:

– Quer tirar a sua primeira trufa branca?

Como se estivesse a tocar numa taça de cristal, peguei na trufa com o máximo cuidado enquanto Coco recebia a sua primeira remessa de presunto. Tinha pouco mais de 10 gramas e um cheiro tão intenso que me deu logo vontade de a comer. 

– Infelizmente, como elas são tão raras nesta época do ano, não a podemos oferecer. Quando as caçadas rendem várias trufas, oferecemos sempre uma pequena aos clientes, mas hoje não podemos.

Ao voltarmos para o hotel, e já depois de Francesca desistir de encontrar mais trufas, Coco voltou a desaparecer. Fomos encontrá-la deitada ao lado de outra aveleira, com uma pequena cova à sua frente. Depois de confirmar, descobrimos uma segunda trufa branca mais pequena e com um ligeiro buraco, o que segundo Francesca reduz o seu preço.

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Quanto custa uma trufa 

O preço varia permanentemente consoante a qualidade, o tamanho e a quantidade das trufas, e a procura. Este ano estão a €4.500 por quilo no mercado de Alba, mas já foram muito mais baratas. A maior trufa alguma vez encontrada era branca pesava dois quilos e estava enterrada nos arredores de Alba. Foi vendida em 1951 a um comerciante de Roma pela módica quantia de 130.000 liras, cerca de 67 euros a uma conversão directa. Se tiver em conta a inflação ao longo dos anos, equivaleria hoje a qualquer coisa como 3.500 euros, o que, mesmo assim, é bastante menos do que se cobra hoje por trufas muito mais pequenas.

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O restaurante com as trufas mais baratas 

Num restaurante, podem ser muitíssimo mais caras do que no mercado de Alba. E já não falo do restaurante do hotel, onde um extra de trufa branca laminada custa €40 a mais por cada prato; mas nas osterias locais, onde os caçadores de trufa da região jantam para comer uma boa trufa.

Foi a própria Francesca que nos recomendou a osteria onde jantámos nessa noite. Chama-se More e Macine e fica em La Morra, no meio da montanha. Ao entrar, encontra uma osteria típica italiana: muita gente, muito barulho, muito vinho, muitos queijos e óptima comida. Junto às mesas encontrámos, pelo menos, dois Lagotto Romagnolo deitados aos pés dos donos. É normal, afinal uma boa parte da população da região vive da caça à trufa. E pode ser um negócio rentável para os melhores caçadores: sem muita concorrência e com bom tempo e alguma sorte, podem ganhar em duas semanas o ordenado de seis meses.

No More e Macine, a comida é caseira e super-aromática. Mal entra, sente o delicioso cheiro a trufa no ar. A lista de comida é bem menor do que a lista de vinhos e, tal como no restaurante do hotel, aqui também pode acrescentar trufa a qualquer prato. Com uma simples diferença: em vez de pagar 40 euros a mais por cada prato, paga 7 euros por grama, o que lhe permite poupar bastante. Ao pedir a trufa, o empregado traz uma caixa carregada de trufas frescas e uma mini balança para a pesar antes e depois de a laminar.

Nós comemos uns ovos cozidos a baixa temperatura com um fabuloso molho de queijo taleggio e guanciale, com trufa branca fresca laminada por cima. Foram 14 euros a mais pelos dois pratos, em vez dos 80 euros que pagaríamos no hotel. E estava divinal! 

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A rua que cheira a trufa 

No dia seguinte, ainda fiz questão de ir passear ao centro de Alba, onde encontra uma rua principal exclusivamente com lojas de comida, a maioria das quais vende trufas frescas e todos os derivados: azeite de trufa verdadeira (com a trufa ainda a boiar lá dentro), manteiga de trufa, massa fresca, até doces com trufa. O resultado é um irresistível cheiro a trufa no ar.

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Além de duas trufas que comprei directamente a um caçador, o que as torna muito mais baratas, ainda trouxe um carregamento de queijos, presuntos, congumelos e manteiga. Na queijaria artesanal Le Delizie di Montagna, encontra os mais divinais queijos da região e a melhor manteiga que já provei na vida, a que os italianos chamam burro di malga. Mas isso dava outro post.

 

Uma óptima caçada para si onde quer que a trufa esteja,

Ele

 

fotos: casal mistério

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