É quase uma história de crime, mistério e espionagem. Num fim de tarde da segunda metade do século XIX, o chef Lucien Olivier fechou-se sozinho na cozinha do famoso restaurante Hermitage, em Moscovo, para tratar do seu maior segredo: o molho da famosa Salada Olivier.
Subitamente, a meio da preparação, foi chamado de urgência para tratar de um assunto na sala do seu restaurante. Há anos que o chef cumpria o mesmo ritual, rodeado de cuidados e medidas de segurança. Mas, desta vez, falhou um detalhe: ao sair da cozinha, não trancou a porta.
Foi o deslize que o seu sub-chef Ivan Ivanov esperava para entrar sorrateiramente na cozinha, ver a mise en place do chef e tomar notas sobre quais os ingredientes e os métodos utilizados. Uns meses mais tarde, Ivanov deixou o Hermitage e tornou-se chef do restaurante Moskva. Foi assim que nasceu a Salada Stolichny, hoje conhecida em todo o mundo apenas como Salada Russa.
Se não fosse pelo acto de espionagem de Ivan Ivanov, dificilmente teria sido publicada uma única receita do molho da famosa salada do Hermitage. Ou, pelo menos, de uma tímida recriação, porque, segundo os alegados relatos de gastrónomos da época, a Salada Stolichny – e especialmente o seu molho – ficava bastante aquém da famosa Salada Olivier.
Para os especialistas, Ivanov nunca conseguiu desvendar o verdadeiro segredo do molho original de Olivier. Sabe-se que era uma espécie de maionese feita à base de vinagre de vinho tinto francês, mostarda e azeite provençal, além, claro, de um segredo.
Em 1894, onze anos depois da morte de Olivier, a revista russa "Nasha pishcha" (A nossa comida) publicou aquela que é a primeira receita conhecida da salada e garantia que o molho conteria Molho Kabul, uma espécie de Molho Worcestershire produzido pela marca John Burgess & Son, a que o chef de origem belga recorria frequentemente. No entanto, esta receita nunca foi confirmada.
Além do molho misterioso, a Salada Olivier levava ainda batata cozida, pepino fresco, alface, alcaparras, azeitonas e três ingredientes gourmet: rabos de lagostins, tetraz (uma ave mais rara da família das perdizes) e aspic em cubos (uma gelatina criada a partir de caldo de carnes). Dependendo da época do ano, a salada podia ainda levar caviar, língua de vitela ou peito de pato fumado.
Ao mudar-se para o Moskva, um restaurante claramente menos elitista do que o Hermitage, Ivanov retirou alguns dos ingredientes mais caros da receita e substituiu-os por perdiz comum, vitela ou até mesmo galinha. Foi o início da massificação da receita.
Depois da morte de Olivier em 1883, Ivanov começou a vender a sua receita para várias publicações gastronómicas. A Salada Stolichny foi ganhando popularidade em outras zonas do país e, depois da Revolução Bolchevique e da escassez de alguns ingredientes, sofreu várias alterações que ajudaram a popularizá-la ainda mais. A perdiz comum foi substituída por salsichas ou frango, os lagostins por ovos cozidos e os pepinos, azeitonas e alcaparras por ervilhas e legumes em picles.
Com os racionamentos no Inverno, a salada tornou-se o prato mais famoso na União Soviética na noite de Ano Novo. Acompanhada de "champanhe" – soviético, claro – era a forma de todos brindarem à entrada do ano seguinte. A base manteve-se sempre – batata cozida e molho de maionese –, os vegetais e as proteínas variavam consoante a disponibilidade e a região.
Foi assim que a salada se expandiu por todos os países da antiga União Soviética primeiro, do Pacto de Varsóvia depois e de toda a Europa e do mundo nos nossos dias. Sempre com variações: em Espanha, por exemplo, serve-se como tapa por cima de uma fatia de pão. Em Portugal, com atum em lata e sem carne. Já no Bangladesh leva pera, maçã e ananás.
Já a perdiz, o caviar e os lagostins morreram para sempre. Sobrou a batata cozida. E o nome de OIivier.
Uma óptima Salada Russa para si onde quer que o caviar esteja,
Ele
fotos: d.r.
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